junho 16, 2025
InícioRoraimaObras da Bienal das Amazônias são instaladas em praças, rodoviária e prédios...

Obras da Bienal das Amazônias são instaladas em praças, rodoviária e prédios públicos de Boa Vista

Obras tratam da fusão entre saber ancestral e contemporaneidade, com artistas locais e indígenas

Publicado em

A Bienal das Amazônias desembarcou em Boa Vista, capital de Roraima, com o projeto de itinerância para realizar obras públicas em espaços urbanos. Quatro artistas ocupam a cidade com a exibição de trabalhos inspirados no conceito de ancestralidade e nos saberes da floresta.

O artista indígena macuxi DoneS’Aunuru apresenta a obra “Cores de sangue e terra: ancestralidade em camadas”. São pinturas que tratam da ancestralidade feminina como presença contínua, força e gesto de gratidão que ancora o futuro nas raízes da terra.

DoneS’Aunuru utiliza pigmentos naturais (jenipapo, urucum e argila) e tintas acrílicas em tecido para mostrar os ciclos da vida. “As cores utilizadas na obra refletem essa fusão de saberes e tempos: o vermelho do urucum, o azul escuro do jenipapo e as tonalidades vibrantes das tintas acrílicas criam uma linguagem visual que transita entre o ancestral e o contemporâneo. A presença das tintas naturais reafirma os vínculos com a terra, enquanto a tinta acrílica incorpora o urbano e as reexistências cotidianas”, afirma DoneS.

Segundo o artista macuxi, “Cores de sangue e terra” é uma obra em camadas vivas — feita de memória, corpo e território. “O sangue, cor primeira da existência, ocupa o centro da composição como expressão de força, resistência e continuidade. Ele marca o início da vida, mas também o luto, a luta e os laços herdados entre gerações”, ressalta DoneS. A exposição será exibida na Casa da Mulher Brasileira, localizada na rua Uraricoera, S/N, em São Vicente.

Natural do município roraimense de Uiramutã, o artista indígena do povo patamona Isaias Miliano trabalha há mais de três décadas com arte plástica contemporânea. Na itinerância da Bienal das Amazônias, ele vai apresentar a obra “Mutação: do ventre das águas ao peixe de metal”, um alerta para a contaminação dos rios amazônicos por mercúrio, metal pesado utilizado no garimpo ilegal que ameaça os ecossistemas e o modo de vida tradicional.

Segundo Isaias, as obras convidam o público a enxergar “um ciclo invisível”. “Ao consumir os peixes de metal, nos tornamos metal também. O metal que sangra dos rios e habita os peixes atravessa nossos corpos e ameaça a memória dos povos que sempre guardaram a floresta”, assinala. A obra de Isaias será exibida no Prédio Anikê, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), cedido ao Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena para a realização de projetos acadêmicos

A artista plástica Daya Roraima, professora de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima (UFRR), vai ocupar a Praça do Centro Cívico, local onde fica localizado o Palácio do Governo de Roraima, com a obra “Guardiã dos saberes da Koko’Non”, escultura em cerâmica inspirada nos ceramistas do povo originário macuxi. A escultura tem o mesmo barro que as ceramistas macuxi utilizam na fabricação de panelas.

Segundo Daya, a peça resgata os conhecimentos e regras para a produção cerâmica do povo macuxi, além de refletir sobre os rituais que envolvem todo o processo desse fazer ancestral.

A artista Julieth Giovanna participa da itinerância de Boa Vista com a obra “Cabeça de guia”, instalação que reúne técnicas mistas de pintura, tintas orgânicas e escultura. O trabalho será exposto no Terminal de Ônibus Urbano José Campanha Wanderley, localizado no centro da capital de Roraima.

Julieth atua nas artes visuais, na moda e na produção cultural. Criadora da marca Babetrash, do Studio Furtakor (@furtakorr) e integrante de iniciativas como o coletivo Kabokada, ela compartilha suas experiências como recurso poético.

“Cabeça que guia” é baseada na obra “Guia” (pintura já existente, de autoria de Julieth) que surge de vivências espirituais e ritualísticas de consagração da medicina da floresta. “Minha obra representa o contato com o mundo espiritual, em especial seres da floresta que carregam elementos que encontro nas religiões de matriz africana e na fé indígena. Através da consagração da medicina da floresta e estudos esotéricos, é como uma imagem que gera reflexão e conexão com os povos de terreiro e espiritualistas”, informa a artista.

Protagonismo

A itinerância da Bienal das Amazônias amplia o protagonismo do cenário artístico e cultural das Amazônias, destaca Vânia Leal, curadora e diretora de Projetos Especiais da Bienal. “Para nós, a itinerância abre debates aproximados e atravessa territórios”, afirma.

Vânia Leal informa que Boa Vista é a primeira capital da Amazônia Brasileira a abrir o Programa de Obras Públicas. “Cada Estado da Amazônia brasileira vai realizar obras públicas com artistas locais que não estavam na primeira edição da Bienal, mas que passam a integrar o programa Bienal. Ter artistas locais abre caminhos de comunhão com arte, política e diálogo”, observa.

As obras públicas consolidam a proposta da Bienal das Amazônias de pensar a região com todas as suas complexidades e abraçar as comunidades, tendo como propósito a transformação social por meio da arte. Para Lívia Condurú, presidente do Instituto Bienal das Amazônias, uma das funções da Bienal é aplicar uma pedagogia da experiência, com inclusão e acessibilidade, e levar a arte das Amazônias a diferentes ambientes e espaços da imensidão da floresta.

A Bienal já passou por Marabá (PA), Canaã dos Carajás (PA) e São Luís (MA). Além das intervenções urbanas, as cidades que compõem a rota da itinerância recebem um recorte da 1ª edição da Bienal das Amazônias, que ocorreu em Belém entre agosto e novembro de 2023.

Artistas ecoam vozes da floresta

A diretora de Projetos Especiais da Bienal das Amazônias, curadora Vânia Leal, destacou a itinerância em Boa Vista como um grande processo de construção democrática. “Nós estamos criando obras públicas na cidade de Boa Vista. De quatro artistas, em várias linguagens artísticas: escultura em cerâmica, pintura, muralismo. Esses trabalhos democratizam o acesso à cultura com a transformação do espaço urbano: rodoviária, ruas, praças”, afirma.

Vânia informou que os artistas e as obras selecionados dialogam com conceitos atuais, numa perspectiva crítica mas também afetiva e ancestral. “Fizemos uma leitura de portfólio e eu considero as obras dos quatro artistas selecionados muito significativas no que se refere às questões que reivindicam lugares de pautas necessárias”, disse. “São quatro artistas que ecoam a voz de dentro da floresta. Estou muito satisfeita por trazer essa discussão para o contexto da Bienal das Amazônias.”

Para Vânia, a Bienal é muito representativa da produção artística em todos os territórios da itinerância. “Nós, amazônidas, estamos falando para os nossos, para os seus e para o mundo. A Bienal tem uma representatividade artística no território brasileiro da arte. A Bienal provoca o diálogo com a cidade, com os artistas locais, com os agentes culturais. Chegamos em Roraima abrindo diálogo e escuta muito delicada e pausada, no tempo amazônico, com artistas e entidades ancestrais, como a terra Macunaimî, uma terra sagrada”, destacou a curadora.

spot_img

Últimos Artigos

Prefeitura intensifica mutirão de combate ao Aedes aegypti

Para eliminar possíveis focos do Aedes aegypti e prevenir doenças como dengue, zika e...

Helena Lima incentiva jovens na ciência com entrega de ônibus acessível

A deputada federal Helena Lima (MDB/RR) participou, com emoção e entusiasmo, da entrega de...

Prefeitura de Boa Vista promove aulões para preparar 6 mil estudantes para o SAEB 2025

Desde o início do ano, as escolas de Boa Vista promovem “aulões” com o objetivo...

Servidores da Funtelpa denunciam salários abaixo do mínimo e cobram aprovação urgente do PCCR

A Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa), responsável por importantes veículos da comunicação pública no...

Mais como este

Prefeitura intensifica mutirão de combate ao Aedes aegypti

Para eliminar possíveis focos do Aedes aegypti e prevenir doenças como dengue, zika e...

Helena Lima incentiva jovens na ciência com entrega de ônibus acessível

A deputada federal Helena Lima (MDB/RR) participou, com emoção e entusiasmo, da entrega de...

Prefeitura de Boa Vista promove aulões para preparar 6 mil estudantes para o SAEB 2025

Desde o início do ano, as escolas de Boa Vista promovem “aulões” com o objetivo...