O advogado e especialista em direito público Gustavo Hugo de Andrade, mestre em antropologia do direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), foi consultado pelo Portal O Fato e fez uma análise técnica sobre o projeto de lei aprovado recentemente no município de Iracema, que prevê segurança pessoal para ex-prefeitos que tenham sofrido atentados durante seus mandatos.
Segundo ele, a medida pode apresentar graves problemas de constitucionalidade e de competência administrativa. O projeto, de autoria da prefeita Marlene Saraiva (Republicanos), estabelece que ex-prefeitos poderão contar com um motorista e três seguranças, pagos pela Prefeitura, caso tenham sido vítimas de atentados e os autores dos crimes não tenham sido identificados.
Para Gustavo Hugo, a proposta extrapola os limites da competência municipal e viola princípios constitucionais fundamentais.
“A segurança pública, conforme o artigo 144 da Constituição Federal de 1988, é um dever do Estado e uma responsabilidade compartilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Aos municípios, cabe a criação de guardas municipais para proteger bens, serviços e instalações públicas, e não segurança pessoal para ex-prefeitos”, afirmou o especialista.
Gustavo Hugo destacou ainda que o ordenamento jurídico brasileiro é claro ao limitar a atuação das guardas municipais. “A Lei Complementar nº 13.022/2014, que regulamenta as guardas municipais, reforça essa limitação ao não prever, em nenhum momento, a possibilidade de as guardas desempenharem funções de proteção individual”, explicou.
Segundo o especialista, qualquer tentativa de utilizar servidores municipais para desempenhar funções de segurança pessoal, seja por meio de guardas municipais ou de novos cargos, configuraria desvio de função e violaria o pacto federativo.
“A criação de cargos específicos de ‘segurança pessoal’ para ex-prefeitos também seria juridicamente inviável, pois atribuiria ao município uma competência que a Constituição reserva exclusivamente aos Estados e à União”, afirmou ele.
Gustavo Hugo comparou ainda a proposta municipal com a Lei nº 7.474/1986, que concede segurança pessoal a ex-presidentes da República.
“O regime jurídico que ampara ex-presidentes decorre de normas federais e se justifica pelo caráter nacional do cargo ocupado, algo que não se aplica à esfera municipal. A tentativa de emular essa legislação no âmbito municipal comete um grave equívoco jurídico”, analisou.
PL contraria constituição
Para o especialista, o projeto de lei não apenas contraria a Constituição, mas também desvirtua o papel da administração municipal. “O projeto padece de inconstitucionalidade material ao invadir competências exclusivas de outros entes federativos e desvirtuar o papel do município. Mais do que um problema jurídico, trata-se de um descompasso com os princípios que regem o pacto federativo e a gestão pública”, concluiu.