Por decisão unânime, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu nesta terça-feira (22) a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra seis suspeitos de integrar o chamado Núcleo 2 de uma organização que, segundo as investigações, buscava interromper o funcionamento regular dos Poderes da República e derrubar, por meio de um golpe de Estado, o governo legitimamente eleito.
Nessa etapa do processo, o STF avaliou apenas se a acusação preenchia os requisitos legais mínimos estabelecidos pelo Código de Processo Penal (CPP) para a instauração de uma ação penal. A Corte entendeu que a PGR demonstrou adequadamente a existência dos crimes (materialidade) e apresentou indícios de que os denunciados teriam participado dos atos (autoria).
Com a denúncia aceita, os seis acusados se tornam réus e responderão a uma ação penal. São eles: Fernando de Sousa Oliveira (delegado da Polícia Federal), Filipe Garcia Martins Pereira (ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência), Marcelo Costa Câmara (coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência), Marília Ferreira de Alencar (delegada e ex-diretora de Inteligência da Polícia Federal), Mário Fernandes (general da reserva do Exército) e Silvinei Vasques (ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal). Eles serão julgados por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado por violência e ameaça grave contra o patrimônio da União e deterioração de bem tombado.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso (Petição 12100), votou pelo recebimento integral da denúncia. Segundo ele, a PGR descreveu os fatos de maneira clara, lógica e coerente, detalhando os crimes atribuídos a cada um dos acusados e apontando os respectivos indícios de autoria. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Cármen Lúcia, Flávio Dino, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
Durante seu voto, Moraes destacou que, nesta fase, é suficiente a presença de indícios que apontem a autoria. “Com a abertura da ação penal, o contraditório será estabelecido e todos os fatos imputados devem ser comprovados pela PGR. A presença de qualquer dúvida razoável leva à absolvição”, afirmou o ministro.
Ele também salientou que a denúncia se apoia em provas da materialidade dos delitos e em indícios de autoria, evidenciando a gravidade dos atos com a exibição de um vídeo sobre os eventos violentos de 8 de janeiro, além de manifestações em frente a quartéis pedindo intervenção militar e outras ações violentas em Brasília.
O relator apresentou ainda os elementos individualizados contra cada um dos acusados, como mensagens trocadas, registros de entrada em prédios públicos e depoimentos que corroboram as declarações do delator Mauro Cid. Segundo Moraes, todas as defesas tiveram acesso ao conteúdo da acusação e aos motivos que levaram à denúncia. “Ou seja, todos os elementos necessários para que a defesa possa se defender”, declarou.
Em relação a Fernando de Sousa Oliveira, Moraes apontou que os indícios mostram seu envolvimento em uma operação que teria utilizado indevidamente a Polícia Rodoviária Federal para influenciar o resultado eleitoral, com mensagens que indicam planejamento de um policiamento direcionado no segundo turno.
Sobre Filipe Garcia Martins Pereira, há informações que o ligam a uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro, onde teria sido discutida a minuta de um decreto golpista. Registros de entrada no Palácio da Alvorada e depoimentos, como o do general Freire Gomes, indicam que Martins apresentou a minuta a Bolsonaro.
Marcelo Costa Câmara, por sua vez, teria repassado informações de monitoramento de autoridades via mensagens de WhatsApp e participado de encontros com Bolsonaro onde foram tratados temas relacionados ao golpe.
No caso de Marília Ferreira de Alencar, a acusação aponta sua participação em ações de policiamento eleitoral direcionado no segundo turno das eleições de 2022. Foram encontradas mensagens trocadas com Fernando de Sousa e planilhas com dados de votação, além de um depoimento que confirma sua atuação.
O general Mário Fernandes, segundo a PGR, elaborou o plano denominado “Punhal Verde Amarelo”, que previa assassinatos de autoridades, como o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Alexandre de Moraes. Documentos com detalhes da operação foram apreendidos e mensagens do general com Mauro Cid e manifestantes também foram destacadas.
Já Silvinei Vasques, conforme relatado, participou da definição do esquema de policiamento no segundo turno das eleições. Um agente da PRF declarou que Vasques teria dito que era necessário a corporação “escolher um lado”.
Essa denúncia dá sequência ao processo iniciado em 26 de março, quando a Primeira Turma também aceitou a acusação contra integrantes do chamado Núcleo 1 ou “Núcleo crucial” da organização. Entre os que se tornaram réus estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, além de outros ex-altos funcionários do governo, como Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Almir Garnier Santos.