O advogado e especialista em direito público Gustavo Hugo de Andrade avaliou como “perseguição política” a iniciativa de oito vereadores de Iracema, da base da prefeita Marlene Saraiva (Republicanos), para cassar o mandato da vereadora Byanca do Mandato (PP), única opositora da prefeita eleita com o apoio do ex-prefeito Jairo Ribeiro.
A suposta articulação para se criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para cassar o mandato da vereadora por simplesmente exercer o dever de questionar começou a circular nos bastidores políticos no início deste semana.
A manobra, é uma retaliação ao pedido de nulidade da sessão extraordinária que aprovou a concessão de segurança pessoal a ex-prefeitos, que beneficia diretamente Jairo Riberio, padrinho político da atual prefeita.
Em entrevista ao O FATO, Gustavo Hugo de Andrade explica a atuação correta da vereadora e os erros da base da prefeita contra a legalidade. “Trata-se de uma evidente perseguição política. A vereadora agiu estritamente dentro de suas prerrogativas legais e regimentais ao questionar uma sessão marcada por vícios de legalidade e que aprovou um projeto claramente inconstitucional. Usar a CPI como ferramenta de retaliação é um desvio de finalidade que fere a essência democrática”, destacou Andrade.
Chefe de gabinete da prefeita chama vereadora de “amostradinha”
Em mensagem compartilhada em um grupo de WhatsApp chamado “Folha de Iracema”, David Reis, chefe de gabinete do ex-prefeito Jairo Ribeiro e atual chefe de gabinete da prefeita, escreveu:
“Rapaz, já tem fatos suficientes para a gente apurar a conduta da vereadora amostradinha, a moralista, na Câmara. Precisamos saber a respeito do nome dela na folha de pagamento da Câmara, não só dela. Hummm, será que na próxima sessão já teremos uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a vereadora? Olha que uma denúncia contra um vereador na Câmara ele não vota sobre a matéria; os demais pares é que conduzem a coisa. Bom dia!”
PL beneficia ex-prefeito aliado de Marlene
O projeto de lei em questão, de autoria da prefeita Marlene Saraiva (Republicanos), foi aprovado em uma sessão extraordinária no dia 3 de janeiro. A norma prevê a concessão de segurança pessoal, com motorista e três seguranças, a ex-prefeitos que tenham sido vítimas de atentados.
O principal beneficiário da medida é o ex-prefeito Jairo Ribeiro (Republicanos), aliado político de Marlene. Em 2018, ele foi vítima de um atentado a tiros na vila Campos Novos, durante seu primeiro mandato. O caso segue em sigilo, sem informações públicas sobre o andamento da investigação ou a identidade dos responsáveis.
Projeto é considerado inconstitucional
De acordo com o especialista, o projeto fere princípios constitucionais e desvia a função do município. “A segurança pessoal é competência exclusiva da União e dos Estados, conforme o Artigo 144 da Constituição Federal. Além disso, o desvio das guardas municipais para atender interesses pessoais é uma afronta ao pacto federativo e à Lei Complementar nº 13.022/2014, que regula a atuação das guardas municipais”, explicou Andrade.
Sessão extraordinária violou o regimento interno
A vereadora Byanca protocolou, no dia 5 de janeiro, o pedido de nulidade da sessão extraordinária, argumentando que a convocação não respeitou o prazo mínimo de 24 horas estabelecido pelo Artigo 141 do regimento interno da Câmara. A parlamentar recebeu a notificação às 18h18 do dia 2 para uma sessão marcada às 9h do dia 3, deixando um intervalo de apenas 14 horas e 42 minutos.
Além disso, não houve divulgação prévia da pauta, o que, segundo Byanca, impediu debates qualificados e o exercício da ampla defesa dos interesses da população.
“A ausência de transparência e o descumprimento do regimento comprometem a legalidade do processo legislativo. Qualquer decisão tomada em uma sessão irregular está juridicamente nula”, ressaltou o advogado Gustavo Hugo de Andrade.
MP investiga possíveis irregularidades
O Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) instaurou um procedimento investigatório para apurar a inconstitucionalidade do projeto. O órgão solicitou à Câmara de Vereadores e ao Município cópias integrais da ata da sessão extraordinária e do projeto de lei aprovado, além de informações sobre sua tramitação.
A Promotoria de Justiça da comarca de Mucajaí também abriu uma investigação paralela para verificar possíveis atos de improbidade administrativa e omissões no processo legislativo, que podem ter gerado prejuízos aos cofres públicos.
Articulação da base governista
Com oito dos nove vereadores alinhados à prefeita Marlene Saraiva, a movimentação para instaurar uma CPI contra Byanca tem sido vista como uma tentativa de intimidação. A parlamentar é uma das poucas vozes críticas à gestão municipal.
“A CPI não pode ser usada como um instrumento de vingança política. É preciso garantir a independência do legislativo e respeitar as normas constitucionais e regimentais”, concluiu o especialista.