O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação direcionada a órgãos públicos do Pará para que adotem, com urgência, medidas voltadas à regulamentação da pulverização terrestre de agrotóxicos. O documento também exige ações de prevenção e tratamento dos impactos causados à saúde humana e ao meio ambiente. A recomendação foi encaminhada à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), à Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) e à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa).
A iniciativa decorre de um inquérito civil instaurado para apurar a ausência de medidas de segurança capazes de evitar a contaminação por agrotóxicos na aldeia Açaizal, do povo Munduruku, localizada no Planalto Santareno. De acordo com o MPF, a situação é especialmente crítica no oeste do estado, um dos principais polos agrícolas do país, onde a proximidade entre plantações e comunidades tradicionais tem agravado os riscos de exposição a substâncias tóxicas.
Dados levantados pelo órgão apontam um crescimento de 600% em uma década nas ocorrências de doenças neurológicas associadas ao uso de agrotóxicos no Planalto Santareno. Em 2023, o Pará registrou 40 denúncias de intoxicação por essas substâncias entre povos indígenas.
Casos recorrentes de intoxicação também foram verificados em áreas urbanas e rurais. Em Belterra, por exemplo, aulas foram interrompidas após alunos e funcionários apresentarem sintomas de contaminação. De acordo com registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), foram contabilizados 92 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos entre 2000 e 2024 nos municípios de Belterra, Santarém e Mojuí dos Campos. A subnotificação, no entanto, pode ser expressiva. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, para cada caso notificado, outros 50 deixam de ser registrados.
Pesquisas científicas citadas pelo MPF confirmam a presença de agrotóxicos, herbicidas, metais pesados e até inseticidas proibidos nas águas superficiais e subterrâneas da região. O Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto relatou ao Ministério Público a ausência de barreiras de proteção entre plantações e áreas habitadas, além da contaminação de igarapés e açaizais. Segundo o conselho, isso tem comprometido a segurança alimentar e afetado diretamente a economia local, com o desaparecimento de espécies frutíferas.
Laudos técnicos, como um parecer da Polícia Federal citado na recomendação, atestam a curta distância entre áreas de cultivo e moradias, evidenciando a exposição direta de comunidades a riscos sanitários e ambientais.
O MPF também destaca que a exposição desproporcional de comunidades indígenas, rurais e quilombolas aos efeitos nocivos dos agrotóxicos configura racismo ambiental. Além disso, o órgão alerta para o uso dessas substâncias como “armas químicas” em disputas agrárias, com o objetivo de forçar a saída de povos tradicionais de seus territórios.
Entre as principais medidas recomendadas à Semas e à Adepará estão:
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regulamentação da pulverização terrestre, com definição de distâncias mínimas de segurança (sugerindo 500 metros de áreas habitadas e 250 metros de corpos d’água, ou uso de barreiras naturais);
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normatização do descarte de insumos e embalagens;
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exigência de avaliações de risco socioambiental;
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criação de um sistema informatizado para registro de incidentes de contaminação;
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realização de campanhas educativas e auditorias periódicas em propriedades agrícolas.
À Sespa, o MPF recomenda:
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implantação de um programa de vigilância epidemiológica focado em doenças relacionadas à exposição a agrotóxicos;
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criação de protocolos de atendimento e capacitação de profissionais de saúde;
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disponibilização de exames toxicológicos periódicos para populações vulneráveis;
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desenvolvimento de ações educativas sobre os riscos dos agrotóxicos.
A recomendação é um instrumento extrajudicial utilizado pelo MPF para indicar condutas a serem adotadas com o objetivo de proteger direitos coletivos e difusos. Apesar de não ter caráter obrigatório, o descumprimento ou a recusa não fundamentada pode resultar em medidas judiciais cíveis ou penais por parte do Ministério Público.
Os órgãos destinatários têm prazo de dez dias para informar sobre o acatamento e as providências adotadas.