Após o ex-vereador Ruan Kenobby (DC) revelar um suposto esquema em que vereadores embolsariam cerca de R$ 118 mil por mês, uma nova denúncia coloca a Câmara Municipal de Boa Vista (CMBV) no centro de mais uma polêmica. Dessa vez, a acusação aponta um esquema de “rachadinha” na Casa Legislativa.
Ao O FATO, um ex-vereador, que pediu para não ser identificado por temer pela própria vida e pela de seus familiares, denunciou que servidores comissionados, com baixa escolaridade, foram nomeados em cargos com salários acima de R$ 8 mil mensais, mas “devolvem” boa parte dos vencimentos para quem lhes concedeu a nomeação.
Questionado, o ex-vereador afirmou, nervoso, que os recursos seriam repassados a auxiliares do presidente da Câmara Municipal de Boa Vista, Genilson Costa (Rep). “O que se sabe é que a grana vai para ele (Genilson), por meio de pessoas próximas”, disse.
Ele acrescentou que suspeita de que o esquema serviria para repassar dinheiro a “pessoas perigosas” e afirmou que tal prática ocorre há pelo menos quatro anos.
Ao ser questionado sobre os motivos para não ter denunciado anteriormente, ele alegou que “há a atuação de gente muito perigosa” se beneficiando do esquema e que teme por sua vida. No entanto, revelou que a recente denúncia do também ex-vereador o encorajou a falar.
A “rachadinha” é um termo popular usado para descrever o desvio de parte ou da totalidade do salário de assessores. Na prática, ocorre quando um servidor repassa uma parcela de seus vencimentos a um parlamentar ou secretário, seguindo um acordo prévio.
Denúncia e investigação
Genilson Costa foi preso pela Polícia Federal em 18 de outubro de 2024, durante a Operação Mortellus, que investiga um esquema de corrupção eleitoral e compra de votos nas últimas eleições. Ele foi liberado após obter um habeas corpus no dia 20 do mesmo mês.
De acordo com o relatório da Polícia Federal, o vereador possuía uma lista de itens oferecidos a eleitores em troca de votos. Mensagens interceptadas revelam a criação de um grupo de WhatsApp chamado “Os Top 10”, supostamente usado para organizar esquemas de compra de votos com dinheiro do tráfico de drogas nas eleições de 2024. Em outro grupo, “Os Top 100”, membros recebiam entre R$ 100 e R$ 150 para votar no vereador.
Entre as despesas identificadas pela Polícia Federal, constam R$ 500 em combustível para um pastor, R$ 510 para cervejas consumidas em um evento político e R$ 200 para remédios de um amigo. A investigação aponta que ao menos R$ 1 milhão pode ter sido utilizado na compra de votos com recursos oriundos do tráfico de drogas.
Em 2023, o Ministério Público de Roraima (MPRR) denunciou Genilson Costa por tráfico e associação para o tráfico de drogas. Ele e outras sete pessoas foram alvos da Operação Tânatos, conduzida pela Polícia Federal em abril de 2022. O parlamentar é suspeito de fornecer veículos para o transporte de entorpecentes.
As investigações começaram em dezembro de 2020, após a prisão de um dos envolvidos na entrada de Boa Vista. Na ocasião, foram apreendidos mais de 50 kg de skunk, avaliados em cerca de R$ 5 milhões.
A análise de aparelhos celulares revelou que o suspeito preso fazia parte de um esquema criminoso que envolvia outras sete pessoas, incluindo o vereador Genilson Costa. O grupo estaria responsável pela logística de compra, transporte, venda da droga e movimentação de grandes quantias em dinheiro.
Em uma das mensagens obtidas pela PF, um dos investigados menciona que R$ 1,5 milhão provenientes do tráfico seriam destinados ao vereador para “ajudar na briga pela mesa”, uma referência à disputa pela presidência da Câmara Municipal na época. A denúncia do MPRR, à qual O FATO teve acesso com exclusividade, traz a transcrição do diálogo.
Esquema com ‘notas frias’
No início do mês, o ex-vereador Ruan Kenobby, que atualmente mora nos Estados Unidos, fez graves denúncias sobre um suposto esquema de desvio milionário envolvendo vereadores de Boa Vista. As acusações foram feitas por meio de stories no Instagram.
Segundo Kenobby, os vereadores — sem especificar quantos ou quais — utilizavam ‘notas fiscais frias’ para justificar despesas inexistentes e, assim, desviar verba pública.
Ele afirmou que, dentro desse esquema, alguns vereadores embolsam mais de R$ 1,5 milhão por ano. Além disso, ao somar salários e dinheiro desviado, haveria parlamentares recebendo cerca de R$ 118 mil por mês.
O FATO entrou em contato com o ex-parlamentar para questioná-lo sobre os nomes dos vereadores envolvidos, mas não obteve resposta.
Silêncio
Apesar da gravidade das denúncias, nenhum dos vereadores reeleitos se manifestou sobre o caso, nem mesmo o presidente da Casa Legislativa, Genilson Costa.
MPRR
O FATO entrou em contato com o Ministério Público de Roraima para questionar se há investigações sobre os dois casos citados na matéria e aguarda retorno.