A Justiça Federal suspendeu a Licença de Instalação (LI nº 1518/2025) que autorizava o início das obras de derrocamento de rochas no Pedral do Lourenço, trecho do rio Tocantins localizado entre os municípios paraenses de Itupiranga e Marabá. A decisão, assinada pelo juiz André Luís Cavalcanti Silva, da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Pará, atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que apontou graves irregularidades no licenciamento ambiental conduzido pelo Ibama e pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
O projeto faz parte da implantação da hidrovia Araguaia-Tocantins e visa remover formações rochosas que impedem a navegação de grandes embarcações, especialmente no período de estiagem. A expectativa do governo federal é permitir o escoamento de até 20 milhões de toneladas por ano de grãos e minérios do Centro-Oeste para os portos do Pará, reduzindo custos logísticos e retirando milhares de caminhões das estradas. Contudo, o MPF sustenta que a obra foi autorizada sem consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas potencialmente afetadas — o que viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de dispositivos da Constituição Federal.
A decisão judicial considerou que a falta de consulta e de estudos socioeconômicos completos impede a avaliação adequada dos impactos da obra, sobretudo sobre a pesca artesanal, principal meio de subsistência de milhares de famílias na região. O magistrado determinou que o DNIT e o Ibama se abstenham de executar qualquer avanço físico da obra até nova deliberação, e autorizou a realização de uma inspeção judicial in loco para avaliar os impactos da intervenção diretamente nas comunidades afetadas.
Entre os principais argumentos apresentados pelo MPF estão a fragmentação indevida do licenciamento ambiental, que analisou isoladamente apenas o Trecho 2 da hidrovia (Pedral do Lourenço), ignorando os impactos cumulativos dos demais trechos; falhas graves nos estudos técnicos (EIA/RIMA); ausência de diagnóstico da atividade pesqueira; e desrespeito aos direitos territoriais e culturais das populações tradicionais. As colônias de pescadores da região, que incluem Marabá, Novo Repartimento, Breu Branco, Goianésia e Jacundá, ingressaram no processo como terceiros interessados, destacando que a pesca artesanal é essencial para a segurança alimentar e a economia local.
O Ibama e o DNIT, por sua vez, argumentaram que as comunidades tradicionais estariam fora da área de influência direta da obra e que o licenciamento é regular, baseado em pareceres técnicos. Mesmo assim, o juiz entendeu que os impactos à pesca justificam medidas urgentes de mitigação, monitoramento e compensação social, incluindo o levantamento de dados sobre rotas de pesca, número de pescadores afetados e estimativa da renda gerada pela atividade na região.
A decisão também ressaltou a necessidade de preservar o equilíbrio entre o desenvolvimento logístico e a proteção socioambiental da Amazônia. A inspeção judicial deverá ocorrer após manifestação das partes e avaliação de segurança por órgãos públicos. O caso ainda será analisado em instância superior, pois o DNIT ingressou com agravo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Enquanto isso, o início da obra permanece suspenso, e o futuro do empreendimento dependerá do atendimento às condicionantes ambientais, da inclusão efetiva das comunidades tradicionais no processo e da verificação dos reais impactos socioeconômicos do projeto. O Pedral do Lourenço, considerado berçário de peixes e habitat de espécies ameaçadas, como o boto-do-Araguaia e a tartaruga-da-Amazônia, segue como símbolo do impasse entre infraestrutura e preservação ambiental no coração da Amazônia brasileira.