Durante o julgamento de um caso de pensão alimentícia para uma criança autista, falas de magistrados reacenderam discussões éticas e jurídicas sobre responsabilidades parentais e equidade de gênero no sistema de Justiça. A desembargadora Bittencourt fez duras críticas à invisibilização do trabalho das mães, destacando a sobrecarga enfrentada por mulheres que assumem integralmente os cuidados com filhos neurodivergentes.
“É a mãe que leva à escola, que cuida se o nariz está escorrendo, se tem cueca para vestir. Isso é esquecido”, afirmou. Ela ainda discordou da ideia de divisão das chamadas despesas extraordinárias, defendendo que o pai deve arcar sozinho com esses custos, sobretudo quando está empregado. “O trabalho da mãe é uma contribuição sem questionamento e muito grande”, completou, elogiando o voto do relator Ricardo Nunes, mas reforçando que a obrigação de prover financeiramente cabe ao pai.
O desembargador Guimarães, por sua vez, concordou parcialmente, mas usou expressões polêmicas ao defender sua posição. Ele afirmou, de forma coloquial, que o pai deve “pagar a pensão e rezar para a mãe não morrer”, chamando a mãe de “a empregada mais barata”. A linguagem foi considerada capacitista e insensível por diversos juristas e usuários nas redes sociais, especialmente diante de comentários que generalizaram diagnósticos de autismo e sugeriram a existência de “aproveitadores” tratando a criança como “vaca leiteira”.
As declarações geraram críticas públicas, principalmente no X (antigo Twitter), onde internautas apontaram preconceito, desconhecimento sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e falta de empatia com a situação de crianças vulneráveis.
A postura de Bittencourt, por outro lado, foi vista como um contraponto necessário, ao sublinhar o impacto desproporcional da parentalidade sobre as mulheres e a importância de reconhecer o cuidado materno como fator central na definição da pensão alimentícia.
O voto do relator Ricardo Nunes, elogiado por ambos os colegas, procurou um equilíbrio entre os aspectos jurídicos e sociais do caso. Ainda assim, o episódio escancara a dificuldade do Judiciário em lidar com questões que envolvem direitos de crianças neurodivergentes e desigualdade de gênero.
O caso evidencia a urgência de capacitar magistrados para julgar casos complexos com mais sensibilidade e conhecimento técnico, evitando a reprodução de estigmas e promovendo decisões verdadeiramente justas e humanas.