A Justiça do Trabalho condenou a Volkswagen do Brasil ao pagamento de R$ 165 milhões por dano moral coletivo, em razão da submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão na Fazenda Vale do Rio Cristalino, no Pará, durante as décadas de 1970 e 1980. A condenação ocorre após ação do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A sentença, proferida pela Vara do Trabalho de Redenção (PA), estabelece ainda que a empresa deverá reconhecer publicamente sua responsabilidade e pedir desculpas aos trabalhadores atingidos e à sociedade. O valor fixado é o maior já estabelecido pela Justiça do Trabalho em casos relacionados ao trabalho escravo contemporâneo.
Além da indenização, foram impostas medidas de não repetição, entre elas: a criação e divulgação de uma Política de Direitos Humanos e Trabalho Decente com cláusula de tolerância zero ao trabalho escravo e tráfico de pessoas; a inclusão de cláusulas específicas em contratos com fornecedores; a implementação de auditorias independentes; a adoção de sistema de due diligence em direitos humanos com relatórios periódicos; a criação de um canal de denúncias anônimo e acessível; e a realização de treinamentos anuais obrigatórios sobre o tema para gestores, compradores e equipes de campo.
O juiz do Trabalho Otavio Bruno da Silva Ferreira destacou que “as provas dos autos demonstram que a empresa Volkswagen do Brasil não apenas investiu na Companhia Vale do Rio Cristalino, como também participou ativamente de sua condução estratégica, beneficiando-se diretamente da exploração ilícita da mão de obra”. O magistrado afirmou ainda que documentos oficiais e depoimentos comprovaram práticas como servidão por dívida, violência e condições degradantes.
Segundo Otavio Bruno, o valor de R$ 165 milhões é proporcional à gravidade do caso. “A Volkswagen, além de figurar como empresa de grande porte e detentora de lucros expressivos no exercício de 2024, usufruiu, ao longo de 1974 a 1986, de substanciais incentivos fiscais estatais, recursos que deveriam servir de contrapartida ao desenvolvimento social e econômico, mas que, em vez disso, foram desviados para uma lógica de maximização ilícita, com a exploração de mão de obra escravizada”, afirmou.
Histórico do caso
De acordo com as investigações, centenas de trabalhadores foram submetidos a condições degradantes, sob vigilância armada, com alojamentos precários, alimentação insuficiente, servidão por dívida e ausência de assistência médica, especialmente a vítimas de malária. O episódio é considerado um dos maiores registros de exploração de trabalho escravo no país.
O caso chegou ao MPT em 2019, a partir da entrega de documentos que relatavam as condições de trabalho na fazenda. O material foi reunido pelo padre Ricardo Rezende Figueira, então coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região do Araguaia e Tocantins.
As apurações foram conduzidas pelo Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) denominado “Fazenda Volkswagen”. Após coletar provas documentais e ouvir testemunhas, o MPT ajuizou a ação civil pública em dezembro de 2024.
Segundo o procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, coordenador das investigações, “os documentos e depoimentos obtidos pela instituição comprovaram as gravíssimas violações aos direitos humanos na fazenda naquele período. Foi constatada a submissão dos trabalhadores à condição semelhante à escravidão por meio de jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e servidão por dívida”.
A ação foi elaborada por equipe integrada pelos procuradores do Trabalho Christiane Vieira Nogueira, Rafael Garcia Rodrigues, Silvia Silva da Silva e Ulisses Dias de Carvalho.