O secretário-adjunto de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia, Gilmar Oliveira de Souza, é citado em documentos públicos como representante ou procurador em transações relacionadas a duas fazendas registradas dentro da Reserva Extrativista (Resex) Rio Cautário. Uma reportagem do InfoAmazonia revelou que as propriedades, somadas, ocupam mais de 92 mil hectares, o equivalente a cerca de 60% da área total da unidade de conservação federal.
Em 2018, Gilmar atuou como representante na venda de uma das áreas para sua esposa, Jaqueline Moreno. A escritura da Fazenda Seringal Rio Cautário, com 47 mil hectares, foi formalizada em cartório com valor declarado de R$ 5 milhões. Já em 2022, pouco antes de assumir o cargo na Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), o secretário protocolou junto à própria pasta um pedido para retirada de madeira na Fazenda Lago Brasil, com 45 mil hectares, também dentro da Resex.
Conforme apuração do site InfoAmazonia, as duas propriedades têm origem em uma escritura de 1907, que referia-se a uma área localizada a mais de 70 quilômetros da atual posição dos imóveis. Um laudo técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aponta que, em 2016, houve a inserção de coordenadas geográficas nos registros, deslocando os imóveis para dentro da área protegida — procedimento conhecido como georreferenciamento. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) também identificou possíveis fraudes nos documentos.
Matrículas questionadas e decisão judicial
Apesar das inconsistências apontadas pelos órgãos fundiários, uma decisão judicial de 2016 reconheceu a validade das escrituras, permitindo o registro das áreas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef). Conforme o Incra, a escritura original foi desmembrada em diferentes cartórios, o que teria ampliado artificialmente a área registrada em nome de supostos herdeiros e compradores.
Em março de 2024, a Justiça Federal determinou o bloqueio da matrícula da Fazenda Lago Brasil, após pedido da PGE. A ação cita o uso de procurações falsas no processo de registro. Embora o nome de Gilmar não apareça diretamente nas investigações, ele assinou como representante da propriedade ao solicitar a exploração florestal à Sedam em 2022. A cadeia sucessória da fazenda inclui proprietários já falecidos, e o último deles teria morrido em 2024.
A Resex Rio Cautário é uma unidade de conservação federal criada em 1995 e destinada ao uso coletivo de populações extrativistas tradicionais. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), ao menos 96 famílias vivem na área. O órgão informou não ter sido notificado oficialmente sobre a Fazenda Seringal Rio Cautário e afirmou que a ligação do secretário com os imóveis pode configurar conflito de interesses, passível de representação formal.
Projeto de Lei que reconhece propriedade
Já no cargo de secretário-adjunto, Gilmar apresentou ao governador Marcos Rocha uma minuta de projeto de lei que previa, entre outros pontos, o reconhecimento de propriedades privadas existentes antes da criação de unidades de conservação e a limitação da atuação direta de comunidades tradicionais em projetos de crédito de carbono. A proposta também permitiria concessão florestal em áreas protegidas.
A minuta foi apresentada no mesmo ano em que o governo estadual cancelou um projeto de crédito de carbono desenvolvido pela comunidade da própria Resex, anteriormente autorizado pela Sedam. O caso está em análise na Justiça. Posteriormente, o estado firmou novo acordo para outro projeto de carbono com o Centro Tecnológico de Portugal, com presença de Gilmar na assinatura do termo de cooperação.
Histórico empresarial
Além da atuação no setor público, Gilmar e sua esposa já administraram a empresa Triunfo Madeiras, autuada pelo Ibama por irregularidades ambientais. A empresa recebeu mais de R$ 200 mil em multas por comercialização de madeira sem origem comprovada. O casal também consta como beneficiário do auxílio emergencial federal entre 2020 e 2021. Imagens nas redes sociais mostraram viagens internacionais de ambos, inclusive à China, durante uma missão oficial da Sedam.
Governo de Rondônia afirma que não há provas de irregularidades
Em nota ao InfoAmazonia, o governo de Rondônia afirmou que, até o momento, não há comprovação formal de irregularidades cometidas pelo servidor e que qualquer denúncia será encaminhada aos órgãos de controle competentes. O Incra informou que vai auditar todas as certificações derivadas da escritura de origem atribuída ao coronel Balbino Antunes Maciel. Gilmar e Jaqueline não responderam aos pedidos de entrevista. A Sedam comunicou que o secretário-adjunto está de férias.