Mesmo após mais de seis anos de decisões judiciais e acordos firmados, indígenas refugiados da etnia Warao continuam vivendo em situação de extrema vulnerabilidade em Belém. Em nova decisão da Justiça Federal, a União, o Governo do Pará, o Município de Belém e a Fundação Papa João XXIII (Funpapa) foram novamente cobrados a cumprir suas obrigações e garantir acolhimento digno às famílias.
A medida acolhe pedido do Ministério Público Federal (MPF), que desde 2018 acompanha o caso e denuncia o descumprimento sistemático das responsabilidades firmadas em sentença e acordo judicial homologado em 2019. A decisão estabelece prazos e penalidades para cada ente envolvido — e prevê multa de até R$ 1 milhão por obrigação descumprida.
“Essa é uma decisão que reafirma uma série de obrigações às quais o poder público já tinha se comprometido, mas não vinha cumprindo ao longo dos anos. Esperamos que agora, de fato, ela seja cumprida para que as condições do abrigo Tapanã sejam revistas, com reestruturação ou até mesmo a mudança de local, se necessário”, afirmou o procurador da República Sadi Flores Machado.
Decisão com prazos definidos
A Justiça determinou que a União comprove, em até 30 dias, os repasses financeiros referentes a 2024 e 2025. O Governo do Estado tem 90 dias para retomar a manutenção da casa de triagem para imigrantes indígenas, enquanto o Município de Belém e a Funpapa devem apresentar, em até 60 dias, um plano detalhado de reestruturação da casa de acolhimento, elaborado junto ao MPF e com a consulta prévia, livre e informada à comunidade Warao.
“Mas o que nós observamos é que não foram adotadas as medidas devidas. Reiteramos o pedido e agora temos uma decisão que determina que a União comprove e retome os repasses ao poder público municipal para que esses abrigos sejam adequados”, reforçou o procurador.
Realidade insalubre
As inspeções realizadas pelo MPF e organismos internacionais revelam um cenário alarmante: galpões improvisados com estruturas de madeira, falta de energia elétrica, ausência de saneamento básico, alimentação precária e espaços que acumulam funções, como banheiro e cozinha no mesmo local.
“Nós já vivemos seis anos neste abrigo. Não tem cozinha, não tem alimentação boa, não tem educação, não tem quem valorize a nossa cultura”, denuncia o líder indígena Fredy Warao.
Outro trecho do depoimento ressalta o sentimento de abandono: “Queremos a valorização da nossa cultura, que nos respeitem como seres humanos. Não queremos favores. Queremos espaço para morar com autonomia, como uma comunidade tradicional. Precisamos de apoio, porque temos capacidade, mas não temos condições de viver assim”, afirma Fredy.
Direitos culturais e participação da comunidade
Para o sociólogo Ângelo Macedo, a exigência da consulta prévia é um dos pontos mais relevantes da nova decisão judicial, pois respeita o direito à autodeterminação dos povos indígenas e suas especificidades culturais:
“É muito importante isso para garantia dos direitos, assim como a oportunidade da consulta prévia, livre e informada desses povos. É um instrumento essencial dentro dos nossos territórios, preservando as condições socioculturais.”
Entenda o caso
Os Warao, povo indígena originário da região do delta do Orinoco, na Venezuela, começaram a chegar ao Brasil em 2017, fugindo da crise humanitária. Desde então, centenas se estabeleceram no Pará, sobretudo em Belém, onde vivem como população tradicional migrante. Em 2018, um acordo foi firmado entre MPF, DPU, DPE, MPT, o Município de Belém e o Governo do Estado para garantir assistência humanitária e abrigamento digno.
Apesar da decisão judicial de 2020, que obrigou a União a repassar R$ 20 mil por mês a cada grupo de 50 imigrantes abrigados, o repasse não tem sido regular, segundo alegam os órgãos locais.
Diante do cenário, o MPF voltou à Justiça em 2024 com um novo pedido de cumprimento imediato das medidas. A decisão mais recente reforça a responsabilidade solidária dos entes públicos e fixa prazos claros para o cumprimento das ações.
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